E.G.O EPISODIO 9

Estavam famintos. ' Quando nós tivemos nossa última refeição? '- ponderava Erick.

Suzane, ao lado do namorado, tentava-o consolar dizendo para que não se preocupar com as coisas que vira e que iriam voltar para casa.

Aqueles semblantes deixavam claro que o diálogo sobre as maneiras de voltarem para casa haviam sido infrutíferos. Mário por mais que tentasse, não conseguia elaborar uma fórmula mágica para o retorno a seus lares. Em verdade, ele ainda nem tinha assimilado direito todas aquelas cenas fantásticas a que foi submetido. Erick, por sua vez, ainda se encontrava hipnotizado pela fascinante beleza de Kate. Ele não conseguia pensar direito nem mesmo nas horas em que sua mente estava sã, quem dirá naqueles lapsos de fascínio que ele estava desfrutando.

Apesar de toda aquela discussão, Mário tinha ainda uma questão que o incomodava e que não havia colocado em pauta na discussão. A partir de todos os eventos que viu com seus próprios olhos, sua doutrina e tudo em que ele acreditava entrou em colapso com a realidade diante deles. Sua religião sempre pregava a inexistência de tais seres, mas com o contato com eles, Mário não sabia mais em que acreditar. Será que sua vida até ali havia sido uma mentira?  Mas apesar de toda esta vida cristã, Mário quando olhava para os céus e via dois astros lunares em pleno dia reforçava ainda mais uma teoria: não estavam mais no planeta Terra.

Após algumas horas que mais serviram de descanso do que de obtenção de respostas, resolveram vasculhar todo o vilarejo de Opium a procura de alguma saída para aquela situação. Por alguns minutos nada encontraram além de cadáveres. Porém eles não desistiram da procura, pois não havia mais nada a fazer a não ser procurar. Quase ao final do vilarejo, à entrada da floresta Saramant encontraram uma casa que os fizeram parar e observar. Através de um véu púrpuro, um vulto vagava de um lado a outro. Ao olharem para a região superior da casa viram uma espécie de placa de madeira grossa onde estava escrito: Whedÿ Starkh.Mário, reconhecendo a tradução da frase, tratou de explicar do que se tratava aquela casa: era a casa de uma espécie de oráculo chamada de Starkh.

Mário a princípio relutou em entrar na casa e procurar por ajuda, citou várias coisas ruins que poderiam acontecer se assim o fizessem, mas o real motivo de sua aversão à casa estava no que ela representava para sua concepção religiosa. O cristianismo, desde seus primórdios, permaneceu firme na condenação da feitiçaria e da vidência como pesados pecados contra Deus. E Mário, apesar de tudo que tinha visto até ali, ainda tinha a doutrina cristã impregnada em sua essência e seus primeiros atos sempre seriam em benefício de sua paz de espírito. Apesar da relutância, Mário cedeu. Não havia outra escolha. Não podia negar que aquela era a melhor chance de saber o que estava acontecendo desde que chegaram àquele lugar desconhecido.

Dirigiram-se para a casa. Erick bateu à porta duas vezes e foi atendido por um homem encapuzado cujo rosto era invisível a eles. Ao verem o homem julgaram-no por suas roupas e a primeira reação foi de receio. “Vai começar tudo de novo” ― Imaginou Erick. Mas não foi o que aconteceu. O homem foi cordial e levou-os para dentro. Apresentou eles à Madame Starkh, a vidente e proprietária da casa, e mostrou-lhes as cadeiras em que deveriam se sentar. Eles sentaram-se cada um em suas respectivas cadeiras acolchoadas, que de fato rodeavam a mesa de vidência de Starkh, e acomodaram-se. Toda aquela cena se apresentava muito distinta do que imaginaram: não houve hostilidade e nem precisaram fugir, pelo contrário, estavam sendo muito bem tratados.

Starkh sorriu ao ver a surpresa dos garotos e perguntou-lhes o que os trazia até sua residência. Mário sentiu vontade de questionar por que motivo uma vidente faria uma pergunta dessas já que era onisciente, mas conteve-se. Erick sem saber o que dizer nem tampouco entender o que Starkh havia perguntado pediu queMário tentasse estabelecer uma comunicação com ela. Mário concordou. Quem sabe não encontraria um tropeço da Madame e a desmascararia ali mesmo? Disse então a Starkh que estavam à procura de algumas respostas acerca do motivo de estarem ali e, sobretudo, onde realmente estavam. Starkh olhou-os com seriedade. Abaixou a cabeça, levantou logo em seguida e começou a contar tudo o que eles deveriam saber.

Starkh começou contando sobre aquele lugar. Sua primeira verdade foi tida com impacto pelos garotos. Logo de começo anunciou que estavam realmente em outro planeta e que não deveriam ter dúvidas quanto a isso. Continuando, disse que aquele planeta se chamava de Ornick ― no idioma local, gigante ― e estava localizado na galáxia de Andrômeda exatamente na mesma localização que estaria o planeta Terra na Via Láctea, sendo abastecido luminosamente por uma espécie de estrela chamada Driva, considerada o Sol para os ornickenhos. Contou que há cerca de 2,3 milhões de anos surgiu um ser onisciente que tratou de reger todo o planeta, até então desabitado, e dar vida a ele. Este ser era Honi, a deusa da criação. Honi criou os seres humanos, os animais ― que conta com algumas feras da mitologia terráquea ― e as plantas. Mas o terreno era inóspito e algo precisava ser feito para que toda sua criação não fosse dizimada pelas condições naturais do planeta. Então, criaram-se os primeiros humanos geneticamente desenvolvidos, os chamadosleviantares. A cada um desses seres foram dadas habilidades sobre-humanas, como controle da água, por exemplo, e eles teriam o papel de deixar Ornick de uma forma que todos os seres vivos pudessem viver ali. Após toda a gênese, Honi concluiu que não estava tão apta a cuidar sozinha de um sistema tão complexo como um planeta como imaginava que estaria e dividiu seus poderes entre alguns humanos eleitos, ficando apenas com o dom da criação para si. Cada um recebeu um poder e parte da personalidade suprema, fruto da onipotência de Honi, e daí então surgiram os outros deuses. Lunus para o destino, Mesmia para a natureza,Vonos para a verdade, Sareu para o sentimento, Doria para a lembrança, Morbeds para a morte, Techron para o tempo tecnológico e outros dois que inevitavelmente receberam o lado negro de HoniHícse, para a guerra e a discórdia e Terbs para o mal.

Mário não estava bem ao ouvir toda aquela fantástica história, principalmente quando o assunto em questão eram os deuses. Tinha medo de ser idólatra e faltar com seu Deus, mas da maneira que Starkh mencionava aqueles fatos pareciam mesmo serem bastante reais.

Concluída a história da criação, Starkh passou para os eventos que antecederam o deslocamento dos três adolescentes para Ornick. A seguir ela contaria algo com que eles deveriam se preocupar mais, pois estava intrinsecamente relacionado com o advento deles para aquele mundo de fantasia.