E.G.O EPISODIO 7

Uma folha amarelo-amarronzada navegava em sua leveza pelo sutil e contínuo soprar do vento. A floresta em silêncio contemplava em si mesmo a beleza colocada nas cores encardidas do outono. Perdido em meio ao emaranhado de secos postes de madeira que daqui a alguns meses, na primavera, sustentariam toda a beleza florida da natureza. Os olhos semicerrados da bela fera permaneciam estáticos e famintos. A quietude da selvagem moça de maneira alguma interferia na estática mágica do silêncio que estranhamente a floresta transmitia. Shrack! Um pequeno ruído e aquela inércia sonora esvaiu-se totalmente. A partir daquele, vários outros ruídos seguiram-se, um completando o outro em um sincronismo acelerado. O aspecto do ruído era comum para aquele terreno banhado pelas folhas amarelo-amarronzadas, pois representava justamente um movimento ligeiro sobre essas mesmas folhas secas.

Te encontrei!

 

Ah não! — A mulher vestida em trajes selvagens de longos e, por incrível que pareça, sedosos cabelos negros rola pela “cama” de folhas secas evitando um violento golpe da criatura monstruosa que acabara de dizer que a encontrara.

Kate Daggon’, apesar de seu habitat, era uma linda e bem cuidada mulher. Corriam boatos pelas redondezas daquela floresta que ali vivia uma mulher-animal, provida de ferocidade e aspecto animalesco, mas isso não era verdade. Kate era sim uma mulher rude para os padrões da “civilização organizada”, mas seu asseio pessoal e feminismo continuavam intactos.

Kate que já se encontrava em uma posição abaixada, desfere um chute na mesma mão que agora a pouco lhe atacara tirando todo o apoio do dono dela. Em seqüencia, seu outro pé é lançado contra o rosto encoberto por uma máscara de ossos do demônio com quem ela combatia.

Devagar demais! — Apesar do porte do inimigo, a garota permanecia calma. Ela levantava-se e em nem sequer um segundo tirava os olhos de seu adversário demoníaco.

Calmamente Kate encosta seu polegar na parte frontal do pescoço do demônio e seu indicador na parte lateral desse pescoço. As pupilas do demônio dilatam-se e ele abre a boca falando um rápido “arhg!” logo antes de cair morto no chão. Kate ergue sua mão e observa as unhas de seu polegar e de seu indicador mais acentuadas que as demais e suja do rubro sangue da criatura. No pescoço da criatura apresentavam dois pequenos orifícios causados por aquelas unhas. As unhas de Kate penetraram em uma região vital da criatura, a veia jugular, interceptando o transporte de sangue para o cérebro e presenteando-lhe com uma morte rápida.

Vitórias em combates como aquele eram normais para Kate. Ela, uma mulher altamente treinada e abençoada por Terbs, o Grande Manipulador das trevas e deus do Mal, era mais que acostumada em combates corpo-a-corpo como aquele e dificilmente seria derrotada em um. Ela caminha em direção a uma cabana de madeira plantada em meio a dois frondosos e secos troncos de árvore. Sem entrar na cabana ela retira pela janela uma espécie de pistola um pouco distinta da que qualquer terráqueo estava acostumado a ver. A pistola além do cano e do gatilho continha um recipiente retangular que guardava um líquido viçoso verde fluorescente.

Em um brusco movimento, Kate mira em um lugar aparentemente deserto e desfere dois tiros. Um deles atinge o tronco de uma árvore e o outro uma criatura que estava logo atrás dessa árvore. O ruído das folhas então anuncia a queda da criatura. Ao verificar o estado dela, Kate via que ela estava morta, razão da morte: um tiro certeiro na testa.

Por um momento houve silêncio e minutos depois um ruído quase inaudível alcança os ouvidos apurados e sempre alertas de Kate. Era contínuo e tinha um volume gradativo, apresentava um aspecto seco mas ao mesmo tempo chiado. Kate sem delongas se oculta atrás de um daqueles caules nus aqueles a rodeavam. Naquele momento a moça já deduzia qual era o causador daquele ruído de onde ele vinha. Em menos de 5 minutos surge por dentre a “cidade” de madeiras um homem trajado com um conjunto simples de roupas que era constituído de uma camisa de linho branca e uma calça rubro-escura de um material mais duro. Ele sussurrava ao vento:

Não ele não vai me pegar, não vai, n... 

Impulsiva como de costume, Kate em um ligeiro disparo atinge o peito daquele homem amedrontado. O homem vai de encontro ao chão e fica ali agonizando. Kate sai de seu esconderijo e direciona-se rumo à sua vítima enquanto retira da pistola um recipiente vazio que se assemelhava ao cartucho. O moribundo solta uma palavras desconexas com bastante dificuldade quando vê a face de sua assassina.

Essas pessoas do vilarejo vizinho nunca vêm aqui. O que será que está acontecendo?” 

Nesse exato momento uma voz aparentemente sem remetente invade o ambiente: 

- Puxa vida! Você continua mortífera como sempre, senhorita Daggon’. 

Obviamente Kate se mostra surpresa por não encontrar no primeiro momento o remetente dessa fala, mas logo toma seu semblante normal quando avista um pequeno símio de um tamanho que não ultrapassava os 80 centímetros dependurado de cabeça para baixo sendo sustentado pela cauda. 

- Ah é você... Achei que ia ter que gastar mais um cartucho da minha pistola de plasma.

- KateKate. Você anda muito violenta garota, que instinto animal que você tem, hein?

- Instinto animal nada, eu só não gosto de ver outros humanos ocupando meu espaço. Hey, você deve saber por que esse homem entrou na floresta, não é?

- Eu não. Porque eu deveria saber?

Sei lá, você é um deus...

Opa, Opa! Eu sou o deus do Mal e não da verdade.

Os olhos totalmente enegrecidos do macaquinho davam um ar mais diabólico ao animal. Kate continua: 

- Você não tem nada a ver com isso não, né?

Eu não... Iihhh... Você anda muito desconfiada, mocinha... - O macaco desce devagar e repousa sobre o ombro de Kate. - ...pode ir parando com isso.

Kate pega o macaco e arremessa-o violentamente contra um caule. 

Não acredito em você Terbs. Hmpf... E outra coisa... Odeio que me chamem de mocinha! 

O pequeno animal se estica todo quando atinge o alvo caindo em seguida sobre o “tapete” de folhas secas. O símio escancara sua cavidade bucal e dela partem alguns gases densos e escuros, seus olhos aos poucos vão se derretendo como se um maçarico invisível o ateasse fogo e o macaco movimenta-se freneticamente em uma velocidade extremamente alta como se seu corpo fosse acometido por uma carga energética muito forte até que o pequeno corpo do animal se seca. 

Sem demora, Kate após a conversa com o símio se apressa em direção ao vilarejo localizado logo ao lado da floresta Saramant, seu atual lar. Como uma residente muito antiga daquelas terras ela sabia exatamente os caminhos de cada pedacinho dela e isso fez com que rapidamente estivesse no seu destino. Um odor forte adentrava suas narinas provocando náuseas na garota que caminhava vagarosamente. Ela estava atenta aos mínimos eventos que poderiam acontecer naquele local, estava cautelosa, sorrateira, levava o solado de seus pés descalços de encontro com as pedras que compunham as ruas do vilarejo em uma precaução tão grande que era quase impossível ouvir o barulho de seus passos. Kate passa por algumas casas se direcionando ao centro do vilarejo, ele estava silencioso e ela não havia visto nem um traço de humanidade até o atual momento, momento em que ela se depara com cerca de 6 corpos esparramados pelas ruas do vilarejo, certamente eram cadáveres e de maneira alguma estavam em boas condições.

Aqueles corpos apresentavam uma série de hematomas e boiavam em seus próprios sangues que jorravam suaves daquelas feridas que por sinal eram consideravelmente grandes. Kate interrompe a inspiração daquele odor tapando as cavidades nasais com os dedos e caminha para junto dos corpos. Com leves toques com o pé remexe um daqueles cadáveres ― cadáver inerte, sem reação. Kate então retoma sua caminhada, estava mais que claro que aquele lugar não estava em sua normalidade e sua curiosidade a instigava a prosseguir. 

Fizeram uma festa por esses lados e nem me convidaram... Só quero saber quem foi o engraçadinho que ousou matar meus “amados” vizinhos...” 

Por longo tempo ela percorre pelas casas mal organizadas do vilarejo Opium, ela já estava irritada com a situação, todo aquele tempo e nenhum sinal de vida. Enfim seus ouvidos trouxeram novo ânimo a ela, vozes, batidas, gemidos e um grito. Kate avança a passos ligeiros em direção das vozes, mas apesar da velocidade seus passos ainda eram imperceptíveis, talvez fosse essa a razão de ela andar tanto com seus pés descalços! Kate finalmente alcança os remetentes daqueles ruídos, se tratavam de três jovens ― dois garotos e uma garota ― e um homem robusto. Por alguns segundos, Kate se atém a apenas observar o que aquelas pessoas faziam. No chão próximo àquelas pessoas estavam uma besta, uma aljava contendo alguns virotes e um machado ensangüentado, o homem robusto ameaçava um dos garotos com uma adaga, a garota escondia a face no ombro do terceiro jovem. Ela parecia estar chorando. O terceiro jovem tinha um semblante aflito, vez ou outra mordia os lábios de nervosismo. O homem então finca a adaga no braço do garoto de cabelos longos e negros e ele grita de dor. O braço e a boca daquele garoto estavam tingidos de vermelho-sangue e ele parecia estar sofrendo muito nas mãos do homem robusto. 

Então esse é o presunçoso causador de toda essa dor, não é?” 

Kate dá a volta pela casa onde se escondia e alcança a outra casa de onde ficaria mais próxima daqueles jovens e do homem. Esse mesmo homem nem repara que Kate se aproximava lentamente. O garoto que fornecia seu ombro para suporte do rosto da garota  foi o único a perceber a aproximação de Kate, mas ele permanece em silêncio, pois ele sabia que talvez ela estivesse ali para ajudar. E ela estava. Ela encosta devagar seu pé na região lateral do tronco do homem robusto e com uma força descomunal o empurra para longe do garoto que ele feria. O garoto em questão era Erick Martín.